Vestido com uma indumentária de Cazumbá, personagem que representa o misticismo da manifestação cultural maranhense, João Igor Cariman Leite, de 18 anos, teve a oportunidade de levar a cultura maranhense para os Estados Unidos. Natural de São Luís, o estudante de Ciências Sociais realizou uma apresentação nesse sábado (6), no evento acadêmico Brazil Conference, em Boston.
Selecionado entre 200 propostas, João Igor apresentou uma performance de Bumba meu Boi na Universidade de Harvard, em um evento organizado por brasileiros (veja o vídeo abaixo). Ele desempenha um papel importante para o fomento da cultura local. Essa, inclusive, é a primeira viagem internacional do estudante.
O maranhense recebeu o prêmio Cultura em Ação. Através das redes sociais, ele contou que o evento é uma forma de incentivo para acreditar que é possível, para pessoas como ele, ocupar espaços como esses.
“Ontem quando a gente fez o ensaio, eu me emocionei muito. Comecei a chorar bastante. […] porque as pessoas vendem pra gente de que a gente não vai conquistar e alcançar alguns espaços e aí a gente vai acreditando nisso. A gente vai acreditando que espaços assim não são pra gente”
O g1 acompanhou o percurso do estudante nessa aventura que para ele é ‘realização de um sonho’. O evento, que tinha como tema “O Encontro de Vários Brasis”, contou com a presença de vários nomes conhecidos no país, como o ministro O ministro Luís Roberto Barroso, as cantoras Ivete Sangalo e Karol Conka, e também a atriz Regina Casé.
O evento, que tinha como tema “O Encontro de Vários Brasis”, contou com a presença de vários nomes conhecidos no país, como o ministro a deputada Tabata Amaral, as cantoras Ivete Sangalo e Karol Conka, e também a atriz Regina Casé. — Foto: Arquivo Pessoal
Para Igor, que também é brincante do Boi da Floresta de Mestre Apolônio, no Quilombo Liberdade em São Luís, o evento é uma chance de mudar a realidade e de construir novas narrativas. Em uma performance que rendeu elogios da Regina Casé, o maranhense destacou a importância de pensar no futuro e de ocupar lugares transformação social.
A gente faz um trabalho pelo futuro. É justamente acreditando que não é querendo ser único. A gente quer que outras pessoas venham e a gente vai fazendo [juntos] a construção do futuro que a gente acredita.
Igor, que vive a cultura maranhense desde berço, pois era levado ainda quando bebê para os arraiais juninos por sua mãe, acredita que representar isso é ‘entender que a cultura tem o papel social e político de transformação, de realidades e de vidas’.
Igor conseguiu criar um vínculo pessoal com Sonia Guimarães, que é PhD em física pela Universidade de Manchester e a primeira mulher negra doutora física no Brasil. — Foto: Arquivo Pessoal
Além da performance, o estudante conta que realizou o sonho de conhecer figuras as quais ele sempre se inspirou. E, para além disso, ele conseguiu criar um vínculo pessoal uma com uma delas. Como foi o caso da relação dele com a Sonia Guimarães, que é PhD em física pela Universidade de Manchester e a primeira mulher negra doutora física no Brasil.
Igor contou, ainda, que Sonia emprestou um casaco à ele e que chegou a chamá-la de mãe. Os dois jantaram juntos na noite desse domingo (8).
Conheça o cazumbá, personagem mascarado do bumba meu boi do MA
Cazumbá representa o misticismo da manifestação cultural maranhense — Foto: Aurea Costa
As máscaras animalescas e as vestes coloridas em sintonia com a sonoridade do chocalho são inconfundíveis. O aspecto irreverente e brincalhão do cazumba ou cazumbá, personagem mascarado do bumba meu boi de sotaque da baixada, representam o misticismo da manifestação cultural maranhense.
Despertando ora medo, ora encantamento, a figura travessa não é homem ou mulher, mas um ser sobrenatural que ritualiza a vida e morte no bumba meu boi, como aponta Elisene Matos, mestre e doutora em ciências sociais pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
O aspecto místico do cazumbá se revela em sua chamativa indumentária, que é composta por uma máscara que ilustra a figura de algum animal, também chamada de careta, e por uma longa túnica feita de veludo ou tecido de chita, segundo Elisene.
“Podemos dividir a composição visual do personagem Cazumba da seguinte forma: a máscara e a túnica. Também chamada de careta ou queixo, a máscara é talhada em formato animalesco (porco, cavalo, jacaré, cachorro)”, destaca.
Qual a origem do cazumbá?
Cazumbá é um ser sobrenatural que ritualiza a vida e morte no bumba meu boi — Foto: Divulgação
Conforme a mestre e doutora em ciências sociais, não há registros de onde e quando surgiu o cazumbá no bumba meu boi, apesar de o personagem se concentrar principalmente na Região da Baixada Maranhense e em alguns municípios do Litoral Norte do estado, como São Luís.
Ela aponta que alguns artigos de pesquisadores e antropólogos, elaborados entre os anos de 1986 e 2005, atribuem ao personagem uma origem africana. Em seu livro “Cazumbas: pessoas e personagens do bumba-meu-boi”, Elisene cita a associação feita pelo pesquisador e padre, Bráulio Ayres, das caretas e indumentárias dos cazumbás aos rituais praticados para os vodus africanos.
“A afirmação feita pelo pesquisador é resultado de suas observações em comunidades africanas, mais precisamente na cidade de Ouidah (região cultural do culto vodu que se estende por Gana, Togo e Benin), onde segundo ele, cada vodu possui uma relação metade humana, metade espiritual. […] Com efeito, as máscaras africanas possuem semelhança, em alguns aspectos, como o formato animalesco, com as caretas utilizadas pelo personagem Cazumba”, escreve Elisene Matos em seu livro.