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Conheça os Lençóis Piauienses: um roteiro com aventura, natureza e história a partir do Delta do Parnaíba

Naquelas terras líquidas, o tempo é contado pelo relógio da maré. Mas, em certas épocas do ano, os ventos também dão o ritmo da viagem. Se há até pouco tempo os Lençóis Piauienses eram desconhecidos do grande público, ofuscados por dunas e lagoas maranhenses, agora são mais uma opção de cenário no Delta do Parnaíba.

No extremo norte do Piauí, entre os municípios de Parnaíba e Luís Correia, essa miniatura de Lençóis Maranhenses tem vegetação abundante e dunas mutantes que se reinventam em meses de vento (agosto e setembro) e se enchem de água da chuva (de janeiro a junho).

Em outras palavras, vai ter travessia de dunas, banhos em piscinas naturais abraçadas por montanhas de areia e uma sensação de que quase ninguém chegou por ali (ainda).

— Basicamente são seis meses de seca e outros seis de chuva. Os mais chuvosos são abril e maio — explica Fábio Araújo de Almeida, guia da agência Quadri & Aventuras, que faz passeios guiados de quadriciclo.

Passeio de quadriciclo nos Lençóis Piauienses, em Ilha Grande, na região do Delta do Parnaíba — Foto: Eduardo Vessoni / Especial para O GLOBO
Passeio de quadriciclo nos Lençóis Piauienses, em Ilha Grande, na região do Delta do Parnaíba — Foto: Eduardo Vessoni / Especial para O GLOBO

Diferentemente do que acontece dentro do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, nesta parte do litoral piauiense a atividade não é proibida. A bordo de um veículo semiautomático, o visitante roda 30km pelo interior das dunas, com paradas para banhos em lagoas, onde os guias costumam colocar redes para descanso na água.

O aeroporto de Parnaíba recebe apenas voos da Azul, a partir de Confins (MG) e Jericoacoara (CE), poucas vezes por semana. Por isso, a maioria dos viajantes voa para São Luís do Maranhão e de Jericoacoara, com aeroportos conectados com mais cidades ao redor do país, e de lá segue pela estrada. Mas este pedaço de Nordeste esquecido se esforça para provar que é diferente de tudo o que já se viu por ali. Afinal de contas, não é em qualquer lugar que corre, na porta de casa, o único delta das Américas que deságua em mar aberto.

O labirinto do Delta

Revoada de guarás no Foz do Caju, parte do passeio pelos mangues do Delta do Parnaíba, nos Lençóis Piauienses — Foto: Eduardo Vessoni / Especial para O GLOBO
Revoada de guarás no Foz do Caju, parte do passeio pelos mangues do Delta do Parnaíba, nos Lençóis Piauienses — Foto: Eduardo Vessoni / Especial para O GLOBO

Se faltam praias no menor litoral do Brasil, com uma faixa discreta de 66 km, o Piauí se exibe (e muito) nessa área de mais de 70 ilhas.

A base é Parnaíba, “capital” do delta e segunda maior cidade do estado, depois de Teresina. Mas é a 11km dali, no Porto dos Tatus, em Ilha Grande, que partem os passeios que passam por dunas, pelo agitado encontro do rio com o mar e por igarapés como o cenográfico Guirindó, já no Maranhão.

Para melhor aproveitar aqueles corredores estreitos, a dica são os passeios de dia inteiro em pequenas lanchas que entram em locais onde barcos maiores não chegam, como a Foz do Caju e sua emocionante chegada dos guarás, aves de tons vermelhos por conta da alimentação à base de caranguejos.

— O delta é um labirinto mutante e muita coisa ainda me surpreende — conta o barqueiro Renato da Conceição Sousa, da agência MB Turismo, depois de avistar macacos bugios na margem do rio.

A moqueca de frutos do mangue, com marisco, ostra, sururu, camarão, caranguejo e robalo: sucesso do restaurante Casa do Caboclo, na Reserva Extrativista Marinha do Delta do Parnaíba, no Piauí — Foto: Eduardo Vessoni / Especial para O GLOBO
A moqueca de frutos do mangue, com marisco, ostra, sururu, camarão, caranguejo e robalo: sucesso do restaurante Casa do Caboclo, na Reserva Extrativista Marinha do Delta do Parnaíba, no Piauí — Foto: Eduardo Vessoni / Especial para O GLOBO

E já que tudo por ali soa familiar, a parada na Casa do Caboclo é uma das boas surpresas do roteiro, um restaurante na Reserva Extrativista Marinha do Delta do Parnaíba, nos municípios de Araioses (MA) e Ilha Grande (PI).

Assim como descreve o proprietário Daniel Feydit da Silva, “aqui, o manguezal é vivo, verde e para ser apreciado com outros olhos”. Não se trata de comida só para ver, mas para provar e não esquecer, como a moqueca de frutos do mangue, com marisco, ostra, sururu, camarão, caranguejo e robalo.

— Foi uma sacada da minha mãe, que entendeu que precisávamos ter um prato que homenageasse essa região de manguezal — diz Daniel, que se orgulha também dos seus pastéis de caranguejo e do jiqui de camarão, uma alusão à armadilha para pescar o crustáceo.

Viagem com História

Casa de Santo Antônio, hotel boutique em um casarão de 1911 no centro histórico de Parnaíba, base para explorar a região dos Lençóis Piauiense — Foto: Divulgação
Casa de Santo Antônio, hotel boutique em um casarão de 1911 no centro histórico de Parnaíba, base para explorar a região dos Lençóis Piauiense — Foto: Divulgação

Tombado pelo Iphan, em 2011, o Centro Histórico de Parnaíba é o ponto de partida pela região, seja qual for seu roteiro. O endereço mais conhecido desse setor preservado da cidade é o Porto das Barcas, espaço cultural com restaurantes e lojas localizado em antigos armazéns reformados.

O conjunto histórico da cidade, que faz 180 anos em agosto, tem cerca de 830 imóveis, como a Casa de Santo Antônio, hotel boutique em um casarão de 1911, com suítes temáticas que homenageiam figuras como D. Pedro I e Princesa Isabel, com portas que se abrem para um pátio interior com jacuzzi e jardim vertical.

— As atuais suítes coloniais estão no porão da casa, que era uma tecelagem. São quartos que remetem ao tempo da casa antiga — descreve a gerente do hotel, Fátima Matos.

O quarto Dom Pedro I, um dos quartos temáticos do hotel boutique Casa de Santo Antônio, no centro histórico de Parnaíba, Piauí — Foto: Divulgação
O quarto Dom Pedro I, um dos quartos temáticos do hotel boutique Casa de Santo Antônio, no centro histórico de Parnaíba, Piauí — Foto: Divulgação

Para quem acabou de chegar, a dica é a mimosa servida na piscina. Mas como aquelas bandas do Nordeste não se contentam com a mesmice, o famoso drinque com suco de laranja é feito com cajuína, bebida não alcoólica de caju e Patrimônio Cultural do Brasil.

Sem falar do badejo com crosta de castanha e purê de banana, do risoto de frutos do mar e da cocada de forno com sorvete de tapioca, destaque do restaurante do hotel. O Casa de Santo Antônio também organiza passeios pela região, seja pelo litoral, seja pelo interior do estado.

Onde o sertão já foi mar

As formações rochosas de milhões de anos inspiraram o nome do Parque Nacional de Sete Cidades, o primeiro do Piauí — Foto: Eduardo Vessoni / Especial para O GLOBO
As formações rochosas de milhões de anos inspiraram o nome do Parque Nacional de Sete Cidades, o primeiro do Piauí — Foto: Eduardo Vessoni / Especial para O GLOBO

Uma das sugestões do hotel é o Parque Nacional de Sete Cidades, o primeiro do Piauí, de 1961, cujo nome se refere às rochas que lembram cidades petrificadas, a 174 km de Parnaíba.

Como conta a guia Maria Janaína de Sousa, acredita-se que aquelas formações de 450 milhões de anos eram o fundo do mar, atualmente, esculpidas pelo vento e pela chuva.

— Muita gente pensa que (o bioma) aqui é Mata Atlântica, mas é Cerrado. Dentro do parque temos 33 nascentes, e 22 delas, permanentes — explica.

Espalhado por 36 km, é um parque amigável com atrativos acessíveis por carro e pequenas caminhadas que levam às pinturas rupestres.

Pinturas rupestres no Parque Nacional de Sete Cidades: especialistas estimam que registros tenham entre cinco mil e oito mil anos — Foto: Eduardo Vessoni / Especial para O GLOBO
Pinturas rupestres no Parque Nacional de Sete Cidades: especialistas estimam que registros tenham entre cinco mil e oito mil anos — Foto: Eduardo Vessoni / Especial para O GLOBO

— Do ponto de vista arqueológico, o parque guarda registros bem diferentes dos encontrados na Serra da Capivara. Há muitos “carimbos” de mãos, algumas delas com seis dedos — explica Conceição Lage, professora de Arqueologia da Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Integrante da equipe que conduz a atualização do plano de manejo do parque, ela procura dar outra visão para a arte rupestre local, “levando para o lado da representação xamânica e do estado alterado de consciência”.

Devido à ausência de vestígios arqueológicos, como cerâmica e cestaria, Conceição diz que ainda não é possível definir a idade das pinturas, que devem ter de cinco a oito mil anos.

A única certeza que o viajante traz de lá é que o Piauí é uma das experiências mais inesperadas do Nordeste.

Fonte: O Globo

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